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Racismo ambiental: você sabe o que é?

Quem são os 35 milhões de brasileiros que não têm água tratada e quase 100 milhões sem acesso à coleta e ao tratamento de esgoto? Onde eles moram? Quais são as populações mais afetadas durante eventos extremos das mudanças climáticas, como enchentes ou secas severas?

Estudos mostram que, em geral, os mais empobrecidos, pessoas negras, indígenas e periféricas são as mais atingidas.

Conceito de racismo ambiental

À essa circunstância se dá o nome de racismo ambiental, um conceito que passou a ser usado por um líder dos direitos civis nos Estados Unidos, ao defender populações negras atingidas pela toxicidade de produtos químicos armazenados próximos às suas casas.

As relações entre a falta de saneamento e racismo ambiental foram o tema da live do Respeito Dá o Tom, programa de igualdade e diversidade da Aegea, com estudiosos sobre o assunto de extrema relevância diante dos desafios do meio ambiente que o planeta enfrenta.

Com abertura e participação da coordenadora do RDT, Keilla Martins, a live foi conduzida pelo presidente do Instituto Aegea e diretor de Sustentabilidade da empresa, Édison Carlos, e teve a participação de mais de 550 pessoas.

Eventos climáticos extremos atingem os mais vulneráveis

“Os eventos climáticos recentes, que se acentuam com a ausência de saneamento, atingem a todos, mas via de regra, os que mais têm dificuldade em lidar com essas mudanças são os mais vulneráveis, os mais pobres, os negros ou as mulheres”, disse Édison Carlos.

Os professores Basilon Carvalho, do Instituto Identidades do Brasil, o ID_BR, e Fernando Garcia, pesquisador-chefe do Instituto Trata Brasil, mostraram dados sobre a privação do acesso aos serviços básicos, que é maior entre pessoas negras, indígenas e que moram em áreas vulneráveis.

“A privação ao sistema de saneamento em suas várias dimensões – dentro e fora de casa, e como isso tem uma incidência maior em alguns grupos como a população negra, as raças autodeclaradas pretos e pardas e os indígenas têm restrições maiores”, afirma o professor Fernando Garcia.

Segundo ele, o saneamento é fundamental para o direito à saúde e bem-estar e essa privação dessa população ao acesso ao saneamento reforça as desigualdades no nosso país. No estudo, foram abordadas cinco dimensões para analisar este tipo de questão.

As cinco dimensões da privação do acesso ao saneamento

1- A primeira é a privação da água tratada. O Brasil tem quase 9 milhões de domicílios sem acesso à rede de água, onde moram 27 milhões de pessoas.

2- Praticamente o dobro de pessoas tem irregularidades no fornecimento de água tratada, que atinge 17 milhões de residências e 51 milhões de brasileiros.

3- Outra é a impossibilidade de ter um reservatório para armazenar a água, que atinge quase 11 milhões de moradias, com 32 milhões de pessoas vivendo nestas condições.

4- Residências sem banheiro são 1,3 milhões de moradias e 4,4 milhões de habitantes no país.

5– Sem esgoto são 23 milhões de moradias e 70 milhões de pessoas sem acesso à coleta e ao tratamento. O número é bem maior, segundo o professor, pois outros 30 milhões têm ligação à rede de drenagem, uma rede onde o esgoto não vai receber tratamento.

Os dados são do PNAD e IBGE, analisados a partir do perfil da população – como é a casa, onde está essa privação e qual é o perfil das pessoas que moram nessas residências, evidenciando o racismo ambiental.

“A partir da análise, se tem uma noção da dimensão social mais clara, que mostra que 50% da população parda não tem abastecimento de água por rede geral. Depois vem a preta e a indígena. É um problema muito grave, pois é a primeira condição para uma pessoa ganhar salubridade, é o ponto de partida do saneamento”, disse.

As populações que mais sentem na pele a privação do saneamento

“São 67% entre pardos e pretos da privação, o que mostra claramente a concentração de um grupo racial específico. Um entre cada três indígenas não recebe água tratada no Brasil, quer dizer, o simples fato de ser indígena já aumenta a probabilidade de estar excluído do sistema de abastecimento de água”, afirma Fernando Garcia.

A situação se repete nos outros dados analisados – os três grupos: pardos, pretos e indígenas, são os mais afetados. A disponibilidade de ter estrutura de reservação a incidência prevalece sobre os mesmos grupos.

Na questão do banheiro se tem uma explosão – no grupo em questão, entre cada quatro brasileiros que estão sujeitos ao problema, três não têm um equipamento em casa para fazer a higiene pessoal.

Na coleta e tratamento do esgoto se repete um quadro bastante severo –  dois entre cada três pessoas que não têm acesso fazem parte da população parda e preta. “Estamos falando de um problema que afeta com muito mais incidência esses grupos populacionais. E por essa razão, vamos ter um racismo ambiental mais definido seja na falta de banheiro em casa ou na coleta de esgoto”, disse o professor durante a live..

Mas como isso afeta a vida dessa população?

O aumento do acesso aos serviços de saneamento está diretamente ligado à diminuição das doenças de veiculação hídrica, que caiu de 32 casos a cada mil habitantes para seis casos em 2021.

“Obviamente, fica fácil perceber a implicação disso para a população indígena e negra, pois se estão mais atrás da linha de desenvolvimento temporal do acesso ao saneamento, ela vai ter uma probabilidade maior de doenças”, afirma. Os dados do SUS confirmam essa análise.

Houve queda também em outras doenças ligadas ao saneamento. “Por conta dessas doenças, o estudo mostra também que há queda no rendimento escolar desses brasileiros, impactando na menor escolaridade”, afirma Édison Carlos.

Outra condição importante é a moradia. A grande maioria dessas famílias é de quatro pessoas, a mãe com três filhos ou um casal com dois filhos. Às vezes, a residência recebe um número maior de pessoas.

O racismo é um mecanismo que se reproduz

“Em sua grande maioria, são famílias formadas por pessoas autodeclaradas pardas ou pretas, que tiveram condições econômicas precárias – quer dizer, a chance de estar desempregada é maior e, quando empregadas, o nível médio de renda é menor. Um ciclo que vai afetar os filhos dessas famílias, que também não terão a educação necessária para se desempenharem no futuro. O racismo é um mecanismo que tem esse gene da reprodução”, disse.

Os mais de 550 colaboradores de todas as regionais da Aegea que participaram do evento conheceram também ações práticas para mudar o cenário dessa triste realidade e a universalização do acesso ao saneamento é uma delas.

Universalização do saneamento como política social

“A visão de universalização coloca a régua em cima e vai quebrar essa transmissão de condições ruins de geração a geração. Se torna uma política social que, junto a outros mecanismos, vai permitir um desenvolvimento acelerado e mais consistente. A geração lá na frente vai sair com condições de saúde melhores e isso vai ter muitos impactos para o Brasil a médio e longo prazos”, apontou o pesquisador do Instituto Trata Brasil.

“As pessoas mais vulneráveis costumam ser as mais atingidas, seja pelas doenças, pela insalubridade do local onde eles vivem e são as populações que a Aegea atende prioritariamente, seja na região de palafitas em Manaus, nas comunidades do Rio de Janeiro, no Mato Grosso, no Rio Grande do Sul, no Paraná, enfim, nas mais de 500 cidades onde atuamos”, afirmou Édison Carlos.  

Leia mais sobre o assunto

Veja o estudo completo no site do Instituto Trata Brasil. E acompanhe aqui no Aegea Blog, na semana que vem, mais sobre o assunto com o professor Basilon Carvalho, do Instituto Identidades do Brasil, o ID_BR

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